Fazenda estuda limitar o uso de créditos de prejuízo fiscal para pagamento de tributos
Por: Beatriz Olivon e Jéssica Sant'Ana
Fonte: Valor Econômico
O Ministério da Fazenda estuda formas para limitar o uso de prejuízo fiscal
por empresas. A análise, segundo fontes, é liderada pela Receita Federal,
que considera haver um descontrole na adoção do mecanismo. Para o órgão,
seria necessário reformular as regras, o que, afirmam especialistas, elevaria a
arrecadação federal em alguns bilhões de reais, a depender do desenho final
da medida.
O que está em jogo é um valor considerável, apesar de integrantes da equipe
econômica afirmarem que a medida não tem como objetivo principal aumentar
a arrecadação. No ano passado, um total de R$ 60,6 bilhões de prejuízo fiscal,
em vez de dinheiro, foram usados para pagar tributos ou quitar débitos com a
União, segundo levantamento do economista Tiago Sbardelotto, da XP
Investimentos, com base em dados da Receita Federal. O número representa
uma alta nominal de 26% em relação aos R$ 48 bilhões de 2023.
O prejuízo fiscal é uma espécie de crédito gerado quando uma empresa apura
prejuízo em determinado ano. Esse “estoque de perdas” pode, pela legislação,
ser usado para pagar tributos ou quitar dívidas do contribuinte com a Receita
Federal ou a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN).
Para a equipe econômica, porém, o prejuízo fiscal seria meramente um acerto
contábil e não um crédito que daria às empresas o direito de pagar tributos.
Procurados para comentar o assunto, a Receita Federal e o Ministério da
Fazenda não deram retorno até o fechamento da edição.
Entre as possibilidades aventadas para o mecanismo estão limitar o uso em
transações tributárias - os acordos firmados entre a Fazenda Nacional e os
contribuintes -, estabelecer um tempo (prescrição) para aproveitamento dos
créditos e determinar que o contribuinte só pode utilizar prejuízo fiscal gerado
por ele mesmo, não de empresas incorporadas - prática comum no mercado.
O economista Tiago Sbardelotto avalia que a possibilidade de o governo limitar
o uso do crédito oriundo de prejuízo fiscal é mais uma maneira para “tentar
fechar a torneira das compensações tributárias”. “O governo está tentando
novamente utilizar a mesma estratégia para poder ter um ganho arrecadatório”,
diz ele, lembrando do limite que passou a ser aplicado para os encontros de
contas realizados por grandes empresas.
Segundo Sbardelotto, o aumento no uso de prejuízo fiscal em 2024 é explicado
pelo limite mensal para compensações tributárias federais imposto pela Lei nº
14.873, de 2024. A norma, fruto da conversão da Medida Provisória (MP) nº
1.202, de 2023, restringe o uso dos créditos tributários oriundos de ações
judiciais acima de R$ 10 milhões. Determina que devem ser compensados no
período entre 12 e 60 meses - para valor igual ou superior a R$ 500 milhões
deve ser aplicado o prazo máximo.
Antes, não havia limite de tempo, ou seja, a empresa usava os valores conforme
melhor se encaixava no seu planejamento tributário. Com a regra, o uso ficou
mais diluído no tempo.
“As empresas têm débitos a pagar e usam os créditos tributários que elas têm
nas mãos. Se não podem usar os créditos oriundos de ações judiciais, elas vão
usar o saldo negativo [prejuízo fiscal]”, explica o economista da XP
Investimentos.
No caso de prejuízo fiscal, o Supremo Tribunal Federal (STF) já reconheceu
que, como decorre do conceito de renda, seu uso não pode ser completamente
vetado, tem que haver um fluxo. A Corte impôs o limite de 30% por período,
a chamada “trava de 30”. Porém, segundo relatou uma fonte da equipe
econômica ao Valor, há um desafio de fiscalização do prejuízo fiscal, o que faz
com que a cesta de créditos que os contribuintes alegam ter direito seja muito
grande.
Recentemente, esses créditos de prejuízo fiscal e da base de cálculo negativa da
CSLL passaram a ser aceitos nas transações tributárias, para o pagamento de
débitos inscritos na dívida ativa da União. A medida tornou os acordos com a
Fazenda Nacional ainda mais atraentes para os contribuintes, segundo
especialistas.
Não há, contudo, um consenso entre os técnicos na Fazenda sobre o que pode
ser feito a respeito do prejuízo fiscal. O risco de tirar a trava de 30% e limitar o
aproveitamento no tempo é ter uma enxurrada de uso de prejuízo fiscal
concentrada nos próximos anos, além da necessidade de haver previsão legal
para isso e estudos para saber se, ainda que exista lei, será mantida quando os
contribuintes contestarem a mudança no Judiciário.
Os advogados consideram que o prejuízo fiscal é um crédito detido pela
empresa contra a União, que pode ser aproveitado no limite de 30% (por
decisão do STF) em anos de lucro. O uso do prejuízo fiscal é visto por eles
como necessário para que o tributo incida sobre a renda, não como um crédito
para reduzir tributos.
De acordo com o tributarista Breno Vasconcelos, sócio do Mannrich e
Vasconcelos Advogados, a base do Imposto de Renda (IRPJ) e da CSLL deve
refletir o acréscimo patrimonial real. Nesse sentido, acrescenta, a consideração
de prejuízos anteriores é indispensável para verificar se houve, de fato, renda
tributável.
“A compensação é necessária para que a tributação reflita a capacidade
econômica real, evitando a cobrança sobre lucros fictícios, o que
comprometeria o fluxo de caixa e contrariaria o conceito constitucional de
renda”, afirma o tributarista.